quarta-feira, 16 de abril de 2008

Erguer muros ou abrir portas?


Opinião
Erguer muros ou abrir portas?
Não terá sido por mero acaso que, nos evangelhos, Jesus tenha preferido apresentar-se a si próprio não em termos de “muro”, mas sim, em termos de “porta”.
São bem conhecidos os muros de betão. De vez em quando há um que cai como o muro de Berlim. Mas há outros que se levantam como aquele que foi construído para separar Israelitas e Palestinianos. Isto, sem contar com os muros de incompreensão, de injustiça, de desigualdade, seja entre famílias, pais e filhos, entre casais, vizinhos, inclusive, entre povos e diferentes estratos sociais. A lista dos muros podia ser longa.
Ora, como se sabe, uma porta é uma abertura num muro. É ela que permite não ter de se ficar condenado a permanecer num só dos lados do muro. Permite entrar e sair. Ao apresentar-se como “porta”, Jesus revela que o mal do mundo e da pessoa humana está na cedência à tentação de fechar-se sobre si próprio, ao ponto de não deixar lugar, em última instância, à escuta da mensagem libertadora de Deus.
Precisamente, a Páscoa vem lembrar-nos que Jesus veio ao encontro da condição humana para abrir todos os muros de betão ou outros, até o último de todos que é a morte, permitindo a ultrapassagem de todos eles. Apresentado como Aquele que se deixou trespassar nas mãos, nos pés e no coração, a ressurreição de Jesus representa a abertura que dá acesso ao outro lado dos muros que cercam a existência humana. É uma porta de salvação que ninguém poderá fechar, como indicam as suas próprias palavras: “Quem entrar por mim será salvo”.
É a luz de Jesus, qual porta de salvação e não muro, que deve ser entendida a vocação cristã e a missão da Igreja no mundo. Neste sentido, mais do que erguer muros na sua salvação com as novas realidades do mundo e da vida das pessoas, impõe-se-lhe abrir portas de acolhimento, compreensão e misericórdia. É que a, a Igreja de Jesus nasce, por expulsão da comunidade judaica instalada nos seus ritos e suas fronteiras muito definidas, como Igreja do êxodo, da itinerância e de uma peregrinação nunca acabada de um povo livre a percorrer a história com Jesus Cristo à frente.
Enquanto “porta”, é por Jesus Cristo que se entra como membro daquele povo livre que Deus quer fazer seu, tal como pela mesma “porta” todos os elementos que integram o mesmo povo, são impelidos a sair para fora, a viver a sua condição cristã, não obrigados ou protegidos, mas expostos, não como sedentários, mas como nómadas ou em viagem, manifestando, pela sua participação e presença em todas as causas verdadeiramente humanas, o espírito de serviço, de entrega e de gratuidade que animou Jesus nos combates de total e efectiva libertação.

In Jornal Diário
2008-04-14 03:57:00

terça-feira, 8 de abril de 2008

Do acontecimento pascal ao encontro dominical


Do acontecimento pascal ao encontro dominical


Como dizia um comentador da Liturgia dominical, tempos houve em que era necessário ter coragem para não ir à missa ao domingo. Hoje, ao que parece, é preciso ter alguma coragem para lá ir! O encontro dominical aqui em questão – a celebração eucarística – foi inaugurado por Jesus com os seus discípulos. O Ressuscitado da manhã de Páscoa apareceu-lhes no “primeiro dia da semana”. Ora, oito dias depois, os mesmos discípulos encontravam-se, de novo, em casa, quando Jesus se veio colocar no meio deles. Daí por diante, os Apóstolos e, com eles, a primeira comunidade cristã mantiveram-se fiéis a este encontro com Jesus vivo, em cada primeiro dia da semana, a partir daí designado como “Dia do Senhor”. De facto, diz-se dos primeiros cristãos que “eram assíduos à escuta da Palavra, à comunhão fraterna, à fracção do pão e às orações”. Verdade seja que esta assiduidade não parece ter sido sempre fácil, pois que o autor da Carta aos Hebreus avisa os seus leitores: “Não deserteis da vossa assembleia como alguns têm o costume de fazer”. Eis um problema que não parece ser só de hoje! Ao participarem no encontro eucarístico dominical, os cristãos inserem-se numa corrente que vem de há dois mil anos e que tem a sua origem no próprio Jesus Cristo, o Ressuscitado, ou seja, Aquele Jesus, conhecido como Homem pelos discípulos, mas sobre o qual, o incrédulo Tomé, por estranho que pareça, faz a primeira confissão de fé, afirmando Jesus Ressuscitado seu Deus! Isto mesmo é o que faz a Eucaristia dominical ao proclamar o mistério da fé cristã, permitindo aos participantes aprofundarem o desejo de uma cada vez maior união Àquele que tendo sido morto, vive para sempre. Para o padre Michel Scouarnec, com obra feita no domínio da música litúrgica, um desafio pascal relacionado com o encontro eucarístico dominical tem a ver com a descoberta pelos cristãos do gosto da fé como realidade que tem sabor e um sabor comunicativo. Para o efeito, em sua opinião, isso passaria por gostar de estar em conjunto e aprender a saborear os textos do Evangelho de cada domingo. Em segundo lugar, por uma adaptação da Liturgia a circunstâncias diversas e, por fim, pela qualidade do canto litúrgico inspirado na Palavra de Deus traduzida em metáforas capazes de lhe darem força e vigor comunicativo, na certeza de que não se pode cantar Deus dizendo seja o que for ou em música sem qualquer qualidade. É uma condição para que o canto se torne lugar de dicção de Deus, fonte de prazer e de alegria.


In Jornal Diário
2008-04-07 02:15:00

terça-feira, 1 de abril de 2008

II Domingo da Páscoa

Aqui nesta Folha estão algumas das razões que me levam a participar na Eucaristia dominical. Clique na imagem


Haverá sempre um desconhecido a caminhar ao nosso lado?




Haverá sempre um desconhecido a caminhar ao nosso lado?


Parece ser essa a fé ou a sorte dos cristãos. Para aí aponta a experiência dos dois discípulos de Jesus que se dirigiam em direcção à aldeia de Emaús, após os acontecimentos relacionados com a trágica morte de Jesus.Aqueles dois caminham profundamente desiludidos. São eles que o dizem: “Nós esperávamos que fosse Ele...” Mas, pelo que se vê, para eles, tudo se acabou. A vida como que perdeu sentido. Nada lhes resta senão voltar para casa.É no meio do seu abatimento que o Ressuscitado, qual Desconhecido, se aproxima daqueles dois caminhantes. Todavia, aquele Jesus que tinham conhecido e que se fazia particularmente próximo dos que andavam oprimidos e cansados, dos pobres, dos pequenos e até dos pecadores, era, para eles, um assunto do passado. Não podiam imaginar que aquele Desconhecido que os interpela no caminho, pudesse ser Jesus Ressuscitado a aproximar-se deles, precisamente, quando “caminhavam abatidos” e sem esperança. Era caso para dizer que se tinham esquecido do aviso de João Baptista: “Está Alguém no meio de vós, que vós não conheceis!” É uma presunção que parece aplicar-se bem ao Ressuscitado.Afinal, vai ser só quando Aquele Companheiro de viagem explica aos dois peregrinos de Emaús aquilo que aconteceu, à luz das Escrituras e aceita entrar em casa deles, pondo-se à mesa com eles e procedendo à fracção do pão, que aqueles dois caminhantes vão reconhecer n'Aquele Desconhecido, a presença do Ressuscitado. É certo que não vão poder apoderar-se daquela presença porque o Ressuscitado não se deixa ficar sob o seu controlo ou sob o seu domínio. Mas ganham alma nova e força para “voltar para Jerusalém” levando a todos a alegre mensagem da presença de Jesus Cristo Vivo no coração da vida humana e no coração dos crentes.Perante tudo isto, é legítima a questão: Onde encontrar, hoje, o Ressuscitado?São-nos deixadas algumas referências a saber: No confronto com os acontecimentos, mesmo os mais decepcionantes e perturbadores da existência humana. No esforço de os entender à luz de uma compreensão da Palavra de Deus ou das Escrituras e no gesto eucarístico do partir do pão. São estes os lugares a partir dos quais os discípulos de Jesus Cristo devem sentir-se enviados a testemunhar benevolência, atenção, solidariedade, prática orante e promoção da dignidade, de modo a que, mediante uma existência conduzida segundo o Evangelho, tornem visível, na medida do possível, o Rosto do Ressuscitado no meio dos seus contemporâneos.

2008-03-31